subject: Traição Ou Obseção: A Dúvida Que Paira No Final Do Romance [print this page] Author: Bia Senday Author: Bia Senday
O romance: Dom Casmurro Dom Casmurro assinala o momento em que o escritor e o romancista se consorciam equilibradamente, graas harmonia entre o estilo e a imaginao. Se antes deste romance o escritor tendia a prevalecer, e se, depois dela, o memorialista entraria a preencher o vcuo da fantasia criadora, em Dom Casmurro se observa a ntima fuso das duas vertentes machadianas. De onde ser a obra-prima de romances, e das mais altas expresses da fico brasileira de todos os tempos. que, abandonando o recurso fcil de inserir na fbula romanesca o plano transcendental ou absurdo, como fizera antes, Machado invade o recesso das conscincias e das situaes em busca dos mbeis profundos para os atos cotidianos. Aproxima-se da realidade, pratica o realismo que, sem deixar de ser interior, afasta o delrio e a loucura e imerge nos enigmas que o dia-a-dia mais banal esconde: que mais enigmtico que o mundo? Conseqentemente, as personagens despem-se do ar de metforas, humanizam-se, criando, para o ficcionista, novos problemas, resolvidos com a firmeza de mestre. Ao contrrio de apelar para o indecifrvel, a narrativa flui com toda a explicao, como se fosse o mais linear dos romances, assim revelando, por trs do cotidiano acinzentado, pungentes dramas e tragdias. o mundo subterrneo de cada indivduo, onde moram as grandezas e misrias da condio humana, que Machado desvenda. E desvenda-o sem alapes narrativos ou aforismo margem dos gestos e atitudes. De onde, apesar do niilismo predominante, o halo de humanidade que circula em Dom Casmurro: as personagens no mais figura de exceo como antes despontam do cotidiano, exemplares na sua aparente indiferenciao. E a histria exibe uma naturalidade cronistica que somente no se converte em trivialidade porque o ficcionista soube emprestar-lhe a verossimilhana das grandes tragdias. Como sabemos o patolgico era o prato principal dos realistas e naturalistas, nomeadamente na forma de adultrio e falta de vocao sacerdotal, os dois plos de Dom Casmurro. Entretanto, Machado se distingue por no reduzir mecanicamente o adultrio a causas de herana, meio e momento. De onde o adultrio de Capitu e Escobar no provir de patogenias circunstancias, seno de uma espcie de fato, evidente no fato de a herona o praticar acionado por outros vetores que no o vcio ou o capricho. Capitu, com seus olhos de cigana oblqua e dissimulada decerto ocultam coisas, com seu comportamento frio e calculista, como se uma voz interior a comandasse, chega a fazer duvidar que tenha havido adultrio. A perplexidade que acomete o leitor acentuada pela estranha conduta de Bentinho, o marido trado, que responde com o aceno da vingana ao clculo da esposa, tudo numa atmosfera de alucinao ou loucura em marcha. Ou de antema trgico, em que o mais alm se mostra por entre as aparncias neutras. E assim o mistrio explode, no s o do crime de infidelidade, como o que envolve toda a narrativa: linear enquanto a percorremos, levanta problemas, que ainda desafiam a crtica, depois de volvida a ltima pgina. O delito de Capitu no foi o arremate dum caso de namoro infantil, mas o smbolo de algo mais trgico, expresso na incomunicabilidade e na traio. Derruba o vu que cobre o ato adulterino, v-se no apenas uma personagem Bentinho a ruminar para todo o sempre sua tragdia burguesa, seno o prprio ser humano em face da misria existencial. Com o adultrio, regride o homem condio de troglodita, incapaz de sujeitar-se s normas culturais que inventou para conter o apelo bruta animalidade, recalcada no subconsciente custa de milnios de progresso cientfico, filosfico e artstico. Eis a tese machadiana em Dom Casmurro, substancialmente diversa da tendncia naturalista para explicar o adultrio como simples desordem dos sentidos. Machado observa que nem mesmo a infncia e a adolescncia fogem ao destino absurdo: ao esmiuar as duas fases estticas, com mincias de ourives, a ponto de ocupar a maior parte da narrativa, o ficcionista descortina o mesmo quadro de misria. A inocncia no deste mundo, parece dizer Machado, porquanto nem a infncia nem a adolescncia residem atrao pelo abismo. Figura de tragdia, Capitu o smbolo da dissimulao: criminosa e vtima ao mesmo tempo, atada a qualidade que a perderam, mais um antema que beno a sagacidade com que manobra o seu pequeno mundo domstico. Incapaz de amar, mesmo a Escobar, de quem teve o filho que Bentinho no lhe podia oferecer, a sndrome da maternidade apenas disfara o trgico destino de sibila, a cumprir ordens mticas. Morre Escobar, Capitu mandada para a Sua, onde tambm morre. Capitu aceita punio sem reclamar, confundindo o leitor: ser que tudo no passou da mente doentiamente ciumenta de Bentinho? Resumo da obra: Dom Casmurro Publicado no Rio de Janeiro, em meados 1899 e comeo de 1900, Dom Casmurro gira em torno de dois personagens principais: Bentinho e Capitu. O romance compe-se de 148 captulos curtos, com ttulos bem precisos, que refletem o seu contedo. Explica-se, primeiramente, o nome do livro e o porqu da alcunha a Bento Santiago de Dom Casmurro; o casmurro por ter hbitos reclusos e calados, o Dom para ironicamente dar ares de fidalgo. Este narrador-personagem, depois de tentar, sem sucesso, reconstruir sua vida atravs de uma cpia de sua casa na infncia, Bentinho, como era chamado o personagem de sua infncia, decide atar as duas pontas da sua vida, atravs de um livro, uma autobiografia, tentando restaurar na velhice a adolescncia e desta forma viver o j vivido. Ele vivia em uma boa casa, protegido do mundo pelo crculo domstico e famlias que era a sua me Glria, uma viva, tio Cosme e prima Justina e tambm Jos Dias, agregado da famlia, que j era considerado como membro da famlia. Em novembro de 1857, Bentinho escutou uma conversa entre Jos Dias e sua me, este aconselhava D. Glria a colocar Bentinho no seminrio o mais rpido possvel, a fim de cumprir uma promessa feita no passado, porque j havia a desconfiana de que Bentinho estava apaixonado por Capitu, uma vizinha e amiga de infncia. Aps escutar tal conversa, Bentinho acorda sentimentos que ainda no havia percebido e passa realmente a gostar de Capitu, aps declarar-se e ser correspondido, comea a fazer mil planos para no ir para o seminrio, mas no conseguiu escapar do destino imposto pela religiosidade da me. Ambos, Bentinho e Capitu, cresceram juntos, trocando desde cedo confidncias. Apresentam desde cedo o amor que os envolve fortemente. Entretanto, a me de Bentinho sonha em faz-lo padre, e para isso toma as providncias necessrias, que s no resultam no esperado porque Jos Dias, o agregado, interfere. Foi, ento, para o seminrio, onde conheceu seu melhor amigo, Escobar. Bentinho s conseguiu sair do seminrio aps uma conversa que teve com a me e a convenceu de custear os estudos de outro menino, para faz-lo padre em seu lugar. A narrativa vai lenta at aqui (captulo XCVII), quando o narrador-personagem Bentinho sai do seminrio, j com mais de dezessete anos. Com vinte e dois anos, formou-se Bacharel em Direito e aps tantos sacrifcios, voltou, enfim para casa. Foi em 1865, uma tarde chuvosa de maro onde se casou com sua amada Capitu. E assim, comearam uma vida feliz de casados, a alegria no fora maior pela ausncia de um filho. Seu amigo Escobar tambm saiu do seminrio e casou-se com Sancha, amiga de Capitu, e engajou-se no ramo do comrcio. Pouco tempo depois teve uma filha e a chamou de Capitulina, em homenagem a Capitu, pois os dois casais se tornaram muito amigos. Ao fim de alguns anos nasce um filho, Ezequiel, nome dado a ele para retribuir o nome que o casal amigo deu a filha. Este, crescendo, entra a manifestar espantosa capacidade de imitao, dirigida para as pessoas volta, inclusive Escobar. Assim, comeo os cimes de Bentinho, a princpio ele rumina a sua frustrao, silenciosamente. Outros anos se passam, e, um dia antes da morte de seu melhor amigo Escobar, Bentinho sente uma forte atrao por Sancha a esposa do amigo. Ento, no dia do enterro, v no rosto de Capitu a confisso de culpa para Bento Santiago, ela estava o traindo com o amigo. Essa dvida se deu, pois ele achava que Capitu estava triste demais, mais que o normal e que tentava dissimular a tristeza. No dia seguinte morte do seu amigo, Bentinho repara na fotografia que tinha em sua casa do falecido, e nota uma semelhana com seu filho, a partir da, comea ento a surgirem fatos, situaes e lembranas que comprovam que havia sido enganado pela sua amada esposa e seu melhor amigo Escobar. O sentimento de traio era horrvel e Bentinho at tentou suicidar-se, mas Ezequiel fez perceber que apesar de ser um filho bastardo, havia o sentimento amoroso entre pai e filho. A obsesso dele por causa da traio de Capitu era enorme, ainda maior pelo fato dele ver em Ezequiel a aparncia de seu amigo, Escobar. Ezequiel foi colocado em um internato, mas medida que o tempo foi passando sua semelhana com o falecido foi aumentando e nos fins de semana era impossvel para Bentinho sentir-se em paz. Bento no conseguiu expor claramente suas idias para Capitu, no houve, de certo, uma conversa muito clara entre eles, por sua vez, ela disse que a semelhana do menino com Escobar era casualidade do destino, mas mesmo assim decidiram partir uma separao amigvel, mantendo as aparncias. Bentinho resolveu, ento, levar a famlia Europa, e voltou de l sozinho. Viajou outras vezes Europa, mas nunca mais voltou a ver Capitu. O tempo foi passando e morreram Tio Cosme, D. Glria e Jos Dias. Capitu falece anos depois na Europa. Ezequiel retorna para rever seu pai, Bentinho, mas no bem aceito por ele, pois achou a imagem perfeita de Escobar. Passados alguns meses, Ezequiel parte para o Oriente Mdio, onde morre por l, de febre tifide. A trama acaba com Bentinho sozinho, reconstruindo a casa da Rua Matacavalos, onde vivera na infncia. J o adultrio no foi comprovado, j que o narrador-personagem apresenta uma srie de provas e contraprovas, como por exemplo, o fato de Capitu ser to parecida com a me de Sancha sem haver nenhum parentesco entre ambas. Mortos todos, familiares e velhos conhecidos, Bentinho, em sua vida fechada, ainda tm algumas amigas que o consolam, mas jamais esqueceu o seu grande amor. A narrativa de seu livro no se mostrou eficaz, pois nos parece que ele quis buscar elementos em Capitu menina que comprovassem seu adultrio, mas s conseguiu comprovar sua fragilidade diante dela, ao tentar atar duas pontas de sua vida: a adolescncia com a velhice e aps trmino, para esquecer o relembrado, o revivido. Aspectos Bibliogrficos ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Srie bom livro. 26 Ed. So Paulo, Editora tica, 1992. BOSI, Alfredo. Histria concisa da Literatura Brasileira 43 ed. So Paulo, Cultrix, 2006. GANCHO, Cndida Vilares. Como analisar Narrativas. 9 ed. So Paulo: tica, 2006 (Princpios; 207). 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Professora ps-graduada em Lngua Portuguesa e Literatura.
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